A luminosa primavera do ano de 1981 se aproximava do fim com o Flamengo e sua torcida em êxtase por terem ganhado com méritos a Libertadores e com as boas perspectivas de conquistarem o mundo dali a duas semanas, numa única partida decisiva, em Tóquio, contra o todo poderoso Liverpool, Tri-Campeão europeu. E ainda tinha a sobremesa antes da refeição, no meio daqueles alegres dias, que era a decisão do Estadual, em três partidas, com o excelente time do Vasco da Gama do então centro-avante Roberto Dinamite, quando explodiu feito uma bomba em meu peito uma das mais tristes notícias que recebi em minha vida, no dia 27 de novembro daquele ano: "Morreu Claudio Coutinho nas águas das Ilhas Cagarras, em frente à Praia de Ipanema, aonde fora praticar seu hobbie favorito, a pesca submarina";
Coutinho fora atrás mar adentro de um brigão peixe fisgado por seu arpão e acabou sendo tragado traçoeiramente pela morte;
E partiu sem ver a sua semente já transformada em frondosa árvore sagrar-se, mais uma vez, Campeã Estadual, em 06 de dezembro, no terceiro jogo da série de uma melhor-de-três, contra o time do atual presidente vascaíno e, muito mais importante, brindar o universo do futebol com um memorável show de bola levantando a Taça do Mundo, uma semana depois, devolvendo à fria Inglaterra os orgulhosos e atônitos ingleses da terra dos Beatles, ainda tontos com o inesperado baile vermelho e preto;
E tudo começou com ele, Cláudio Pecego de Moraes Coutinho, o mais talentoso treinador que o Flamengo teve em sua rica e gloriosa história, em todos os sentidos do adjetivo a ele atribuído. Líder competente, disciplinador, culto, metódico e filosófico, além de profundo estudioso do futebol, da vida e do ser humano de um modo geral. Desprovido de arrogância, petulância e vaidades. Esse era o Coutinho, mentor intelectual do time de ouro do Flamengo, pelo qual foi Tri-Campeão Estadual e Campeão Brasileiro, em 1980, consequências da transformação radical sofrida pelo clube a partir da 1ª gestão de Márcio Braga, em 1977, apoiado pela Frente Ampla Pelo Flamengo (FAF) constituída por ilustres rubro-negros de fé, da extirpe de Carlinhos Niemeyer, George Helal, Joel Tepet, Walter Clark, Dunsche de Abranches, Eduardo Motta e outros flamenguistas notórios;
Gaúcho de Dom Pedrito, chegou ao Rio de Janeiro aos 4 anos de idade a partir de quando começou a desenvolver a sua paixão pelo Flamengo. Sua boa formação intelectual adquirida em escolas cariocas teve o seu ápice na Academia Militar de Agulhas Negras (AMAN), de onde saiu como oficial paraquedista até chegar na Escola de Educação Física do Exército, no bairro da Urca. Dali migrou para a equipe de preparadores físicos da seleção brasileira, que disputou e ganhou o Tri-Campeonato Mundial no México. Em 1974 atuou como supervisor na Copa da Alemanha e, em 1978, foi treinador da seleção brasileira no torneio mundial realizado na Argentina;
Tempos áureos, nos quais muitos atores famosos desse jogo da bola eram também referências para a vida pessoal do torcedor ao transmitir-lhes exemplos de valores fundamentais ao desenvolvimento de cada um. E não eram poucos esses craques com a bola no pé e idéias na cabeça, gente que expremia o cérebro apesar das dificuldades enfrentadas por alguns em suas humildes origens, que nos davam o prazer de ouví-los numa entrevista e apreciar suas boas índoles, casos do próprio Coutinho, Zico, Carpegiani, Júnior, Raul, Leandro, Adílio e Tita, para citar apenas alguns, além de um companheiro chamar a atenção do outro, quando se excediam na vida fora das quatro linhas levando problemas para dentro delas, conforme outro dia afirmou o lateral esquerdo Júnior numa entrevista. Isso sim é ser profissional e ser amigo;
Quis a Dona Vida, após a rolagem dos anos, que eu viesse a ser vizinho de bairro daquele garoto de então, que vivia dentro do clube acompanhando o seu pai e os jogadores, querido por todos, o Paulo César Coutinho, chamado por Cascão pelos craques rubro-negros, dos quais também era considerado um amuleto. Outro dia, dei um abraço no hoje "quarentão" Cascão com a certeza de que estava abraçando seu pai também, meu ídolo na juventude e que me concedia o prazer de falar para todos, amigos ou não, que ele era um flamenguista como eu;
Claudio Coutinho morreu precocemente, aos 42 anos de idade, deixando um legado que fez do Flamengo Tri-Campeão Brasileiro em quatro competições disputadas, de 1980 a 1983, uma Libertadores e um Mundial conquistados em 1981. Escrever mais o quê sobre essa herança que não tem como ser quantificada, que jamais será dilapidada, a não ser dizer que éramos rubro-negros muito felizes, sabíamos disso e um muito obrigado a esse verdadeiro Mestre da vida e do futebol.
Saudações Rubro-Negras, Sempre!