Na Contramão da História
Rodrigo Romeiro
Saudações Caros Butequeiros Rubro-Negros. O time degringolou de vez. A derrota para o Atlético-PR já seria vergonhosa apenas pelo acontecimento, mas as circunstâncias a deixaram ainda pior. Primeiro porque não podemos chamar aquilo que o Atlético-PR apresentou de time. O time deles já é fraco, com oito desfalques então, é medonho. Segundo porque vínhamos de sete jogos sem vitória e seria o jogo ideal para tirar o pé da lama. Por último, e mais alarmante, o Flamengo parecia um time de veteranos que batiam uma pelada após um churrasco. Tenho a impressão de que se tivéssemos feito uma seleção aqui do Buteco, também venceríamos o Flamengo no domingo passado.
O time está na contramão da história do campeonato, pois esse é momento em que quem vai brigar pelo título, começa a crescer e apresentar solidez. Nós, ao contrário, estamos ladeira abaixo. Não vejo muita saída técnica e tática, assim, só me resta torcer e sofrer. Daqui a pouco, a corneta vai começar a tocar, pois meu fígado não é de ferro, e com certeza precisarei desopilar um pouco do ódio que sinto por muita gente envolvida com o futebol do Flamengo. Do time, muitos já falaram com propriedade durante essa semana e, por isso, quero tocar num assunto que é muito mais importante do que a situação conjuntural da equipe. Quero falar sobre uma tal proposta de emenda ao estatuto, veiculada pelo globoesporte.com na semana passada.
Um grupo político, denominado Eureka (sugestivo o nome, dada a criatividade reacionária), apresentou uma proposta de alteração estatutária, que transformaria as eleições para presidente do Flamengo em indiretas. Ou seja, hoje votam os míseros sócios, se aprovada a proposta, apenas um conselho de iluminados votaria na escolha do presidente. É o tipo de coisa que se você lê no noticiário sobre política, não leva muito a sério, e logo percebe que não passa de um devaneio. Mas vindo de dentro dos muros da Gávea, a situação demanda seriedade e crítica pesada, pois sabemos que devaneios interessados costumam ter eco por lá.
Atualmente, em quase todas as organizações públicas e em muitas privadas, um dos temas que mais está em pauta é o modelo de gestão participativa. No Estado, fala-se em democratização do Estado, com fomento dos instrumentos participativos, como Conselhos, Ouvidorias, Orçamentos Participativos e Conferências setoriais. Quanto mais gente participando organizadamente: maior a fiscalização, maior a tendência a que as decisões sejam direcionadas para o coletivo e maior a precisão das ações adotadas.
Se for viável, é sempre melhor você próprio tomar uma decisão, do que delegar esse poder para um representante. Desta forma, busca-se cada vez mais construir instrumentos para que o maior número de pessoas possa contribuir na tomada de decisão, principalmente sobre algo que é de interesse público e coletivo. Além da já consolidada democracia representativa, busca-se hoje, cada vez mais, fomentar e fortalecer a democracia direta.
Os clubes de futebol que adotaram esse caminho têm demonstrado melhoria de gestão e de situação financeira. É muito mais fácil você apoiar financeiramente algo que de alguma forma, mesmo que mínima, participe, e se sinta agente daquele processo, do que algo que vê com distanciamento e desconfiança. Com mais gente participando, a fiscalização aumenta, e o número de pessoas prá vigiar, ou prá serem envolvidas em algum conluio, também. O Internacional é o grande modelo brasileiro, no qual os quase 100 mil sócios decidem os rumos do clube, votando na eleição para presidente. O Inter é modelo de gestão e não tem grandes problemas financeiros.
Uma das demandas políticas e sociais mais importante, em todo o mundo, na atualidade, é mais democracia e participação. Por elas clamam e gritam pessoas nas ruas do mundo todo. Ninguém mais quer saber de um estado fechado, em que poucas pessoas cuidam do seu dinheiro, e decidem que tipo de política pública é boa prá você e prá sua comunidade. Todos querem ter o direito de participar e decidir. É nesse rumo que caminham as coisas, e me parece que posturas elitistas e aristocráticas estão fadadas a serem repelidas veementemente.
Mas, eis que, numa conjuntura como a acima descrita, na contramão da história, um grupo que atua na política do clube mais popular do país tem a desfaçatez de apresentar uma proposta que cerceia, a já limitadíssima, participação do rubro-negro no processo político-decisório do clube. Exaustivamente, há muito anos, muita gente vem discutindo e apresentando propostas de projeto de sócio torcedor para o Flamengo. Um projeto que poderia não só resolver definitivamente os problemas financeiros do clube, como também abrir a caixa preta e contribuir para que as decisões da direção sejam forçosamente direcionadas somente para atendimento dos interesses esportivos e da torcida.
Uma proposta que venha na contramão da história, para limitar a democracia, enquanto se clama pela sua expansão, deve ser rechaçada de cara. Em um momento em que poderemos perder mais um título para nós mesmos, por conta da falta de planejamento, de uma cultura organizacional permissiva e da proliferação de interesses escusos, nós, torcedores, não podemos admitir que brinquem dessa forma com algo tão sério. O Flamengo só é grande por nossa causa, e somente nós, torcedores (futuros sócios, espero), por meio da nossa participação, podemos fazer com que o clube seja do tamanho torcida. Portanto, eleições indiretas no Flamengo é uma brincadeira de péssimo gosto, e acredito que a torcida, e todas as pessoas bem intencionadas que cultivam essa paixão, querem um Flamengo mais democrático e com instrumentos que propiciem uma maior participação.