quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Revista: "Grandes Clubes Brasileiros"
...........Flamengo (Ué,...e tem outro grande?)
Edição Nº-04 de 1971- CR$2,50 - Relíquia

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. .........................O Fabuloso
...................Domingos da Guia
DOMINGOS DA GUIA, um dos zaguei­ros mais completos do mundo em todos os tempos, recorda com muita alegria sua passagem pelo Flamengo, cuja equi­pe integrou de 1937 a 1943:

_Joguei em grandes clubes, inclusive do estrangeiro, mas minha carreira não seria completa se não tivesse atuado com a camisa rubro-negra. No Flamengo, durante seis anos, vivi momentos de intensa alegria.
_Qual terá sido a maior de todas?
_A de um jogo inesquecível, com o Botafogo, na Gávea, em 1943, no meu último ano como rubro-negro. O Flamen­go venceu por 4x1 e deu um passeio no Botafogo, que era dirigido pelo falecido Ademar Pimenta. O Flamengo, desfalcado do Leônidas, que era o prin­cipal atacante da época, marcou três goals em apenas 10 minutos. Foi um show de bola.
_Dos títulos que você ganhou no Fla­mengo, qual o que considera mais im­portante?
_Os três, indistintamente. O primeiro foi em 1939 e depois o bicampeonato de 42-43, faltando-me a alegria de ter sido tricampeão, pois em 44 saí do Flamengo e fui fazer parte da equipe do Coríntians, onde fiquei até 1947.
_Qual a melhor equipe rubro-negra da sua época?
_A de 39 era boa, mas fico com as duas de 42 e 43, que eram igualmente boas. Uma delas tinha o melhor ataque que até hoje vi em minha vida. Veja você: Valido, Valdemar de Brito, Leôni­das, Gonzalez e Jarbas.
_Como você formaria o Flamengo de todos os tempos?
_Se tivesse que escalar onze dos inú­meros grandes craques que vi defenden­do o Flamengo, ficaria numa posição bem difícil. Mas não gosto de fugir das per­guntas. O meu Flamengo de todos os tempos seria com Amado ou Jurandir — um ou outro, pois ambos foram ótimos goleiros; Penaforte e Hélcío; Biguá, Bria e Jaime; Valido, Zizinho, Leônidas, Perácio e Moderato.
_Por que você se excluiu dessa equi­pe; Domingos?
_Garanto que não foi por modéstia. Penaforte e Hélcio formaram uma dupla muito boa de zagueiros. E se é para escalar os melhores do Flamengo de to­dos os tempos, estou apenas, em cons­ciência, fazendo justiça a dois ótimos zagueiros que vi jogar.
_Das equipes do Flamengo, qual a me­lhor de que você participou?
_Se você insiste na pergunta, lá vai a resposta: foi a de 43, a última que in­tegrei, com Jurandir, Domingos e Norival; Biguá, Bria e Jaime; Valido, Zizinho, Pirilo, Perâcio e Vevé.
_Qual o técnico mais competente que você teve a orientá-lo?

_Flávio Costa. Foi o técnico mais com­pleto dos muitos bons que passaram pe­lo futebol brasileiro. Se tivesse tido a felicidade de ganhar o Mundial de 50, Flávio seria um Deus eterno, mas como deu azar naquela decisão com o Uruguai, não faltou por aí quem quisesse mesmo crucificá-lo.



_Teve algum aborrecimento no Fla­mengo, Domingos?
_Um só. Foi com o presidente Dário de Melo Pinto, o único dirigente que não conseguiu me compreender.
_Como assim?
_Na semana da decisão do campeo­nato de 41 com o Fluminense, o céle­bre Fla-Flu da Lagoa, o presidente levou-nos para sua fazenda e lá êle que­ria que dormíssemos em cama de sol­dado, sem conforto algum. Tomei a ini­ciativa de reclamar, êle não gostou e nos desentendemos.
_Por Isso o Flamengo perdeu o título?
_Isso refletiu muito no ânimo dos jo­gadores, mas não posso dizer que foi só por isso. De fato, o Fluminense tinha uma grande equipe e jogava pelo em­pate, o que era uma vantagem. O Flamengo jogou bem, mas apesar da mui­ta ajuda do árbitro pudemos conseguir a vitória.
_Afinal, que história é essa de ajuda do árbitro?
_Esse Fla-Flu histórico, o Fla-Flu das bolas na Lagoa, foi apitado pelo Juca da Praia, que passou perto de mim, quan­do eu também estava no ataque, deses­perado, empurrando a equipe para ten­tar a vitória e disse: Pode fazer até goal com a mão que vai valer.
_E vocês não fizeram, Domingos?
_O Batatais era aquela muralha e sua­mos muito para fazer dois. O Juca da Praia era um juiz honesto mas não gos­tava do Fluminense e num desabafo nes­se dia êle confessou.
_E alguma vez, apitando, o Juca da Praia prejudicou o Flamengo?_Num jôgo com o Botafogo, que era o clube do coração dele. O Pascoal en­trou na nossa cara e fêz um goal com a mão. O Juca da Praia, cinicamente, apontou para o meio do campo. Expul­sou o Leônidas e fêz miséria. Quando chegou no Fla-Flu, disse-me êle: Hoje vocês podem ir à forra.














_Qual a derrota que mais o entriste­ceu jogando pelo Flamengo?
_A única que sofremos no campeona­to de 39. Foi para o Bangu, por 4x1. O Flamengo jogou pessimamente na­quele dia. Brito agrediu o juiz de linha, Leônidas foi expulso. Uma zebra, como diria Gentil.
_Que lhe parece o Flamengo de hoje?
_Está mal, muito mal. Uma equipe de valores discutíveis e que anda tonta, perdida no meio da guerra. Como ami­go pessoal do Yustrich, tenho um con­selho a dar-lhe: "Yustrich, meu amigo, trate os seus jogadores como você sem­pre foi tratado pelo Professor Flávio Costa. Dê-lhes o que você sempre re­cebeu e então as coisas melhoram para o seu lado".
_Era mais fácil ou mais difícil jogar futebol na sua época?
_Comparando com a época de hoje, só posso dizer uma coisa: na minha época havia mais valores, menos prepa­ro físico e menos dinheiro. O futebol de hoje, pelo tratamento e pelos bons jo­gadores, é melhor.
_Você foi mesmo o que dizem de você, Domingos?
_Penso que consegui enganar bem durante 20 anos. Não fui de TV nem do Maracanã, mas pude dar sempre meu recado direitinho.
_Rico, Domingos?
_De saúde e de amizades, graças a Deus. Na minha época não se podia fa­zer fortuna com o futebol.
_Carioca?
_Nascido, criado, vivido em Bangu. Sou de 19 de novembro de 1910.
_Começou lá mesmo?
_Nasci atrás da Igreja de Nossa Se­nhora da Conceição e comecei a jogar num campinho defronte da mesma Igreja. Do meu tempo foram também Broa, Ladislau, Luís António, Mano e um pu­nhado de outros cobrões.
_Qual foi sua trajetória?
_Comecei em 29 no Bangu e saí em 32. Fui campeão três anos consecuti­vos em clubes diferentes: 33 pelo Na­cional de Montevideu; 34 pelo Vasco e 35 pelo Boca, de onde saí em agosto de 37 para vir para o Flamengo, onde fiquei até 43. De 44 a 47 joguei pelo Coríntians e voltei em 48 para o Bangu, encerrando no ano seguinte em defini­tivo minha carreira.
_Como foi sua passagem pela seleção brasileira?
_Comecei em 1932, na Copa Rio Bran­co. Um ano antes havia jogado pela seleção carioca. Mundial só disputei o de 38 e vocês com certeza vão me per­guntar sobre o célebre penalty do jogo com a Itália. Então, conto logo: o ár­bitro foi maldoso, agiu de má fé. A bola não estava em jogo e êle escreveu na súmula exatamente o contrário. Recebi uma falta feia e maldosa do Piola e não me contive, indo ao revide, que foi a única coisa que o árbitro quis ver.
_Domingos, você guardou essa mágoa por muito tempo?
_Tive que esperar até o ano passado para lavar minha alma vendo pela te­levisão o Brasil dar um banho de bola na Itália. Sinceramente, torcia para ver um dia um novo Brasil x Itália porque sabia que nossa seleção iria à forra, sobretudo numa decisão.
_Quando resolveu se retirar da se­leção, Domingos?
_Há dois fatos que considero impor­tantes na vida que tive de jogador de clube e jogador de seleção. Primeiro, como jogador da seleção, pedi para sair depois de um Brasil x Uruguai em que fui homenageado. Flávio Costa concor­dou e elogiou-me por saber o momento exato da retirada. E como jogador do Bangu, em 49, pedi ao patrono Guilher­me da Silveira Filho, meu querido ami­go Silveirinha, para sair do clube. O Bangu havia contratado o Rafaneli, um excelente zagueiro argentino, e eu senti que era minha hora de parar.
_Qual é sua atividade hoje, Domingos?
_Sou agente fiscal da Renda Mercan­til, Administração Regional de Bangu. Um emprego que me foi conseguido em 1959 pelo meu amigo Silveirinha.
_Considera Pelé o melhor jogador de todas as épocas?
_Da época de hoje, sim. Pelé é o mais completo. Mas cada um tem sua época. Do contrário teríamos que negar Friedenreich e Leônidas, que foram gi­gantes de outras épocas distintas do nosso futebol. E ponta-direita igual ao Garrincha, jamais alguém pode ter visto igual em qualquer época.
_Sua opinião sobre seu filho, o bom Ademir da Guia...
_Não o considero brilhante, mas acho que é inteligente e herdou a calma que sempre tive. É um jogador cerebral e joga o futebol necessário para se des­tacar nessa época. Tenho um pressentimento de que êle, quando tiver que parar, voltará ao Bangu, para encerrar a carreira, como eu, no mesmo clube em que a iniciou.