Revista: "Grandes Clubes Brasileiros"
...........Flamengo (Ué,...e tem outro grande?)
Edição Nº-04 de 1971- CR$2,50 - Relíquia
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. .........................O Fabuloso
...................Domingos da Guia
DOMINGOS DA GUIA, um dos zagueiros mais completos do mundo em todos os tempos, recorda com muita alegria sua passagem pelo Flamengo, cuja equipe integrou de 1937 a 1943:
_Joguei em grandes clubes, inclusive do estrangeiro, mas minha carreira não seria completa se não tivesse atuado com a camisa rubro-negra. No Flamengo, durante seis anos, vivi momentos de intensa alegria.
_Qual terá sido a maior de todas?
_A de um jogo inesquecível, com o Botafogo, na Gávea, em 1943, no meu último ano como rubro-negro. O Flamengo venceu por 4x1 e deu um passeio no Botafogo, que era dirigido pelo falecido Ademar Pimenta. O Flamengo, desfalcado do Leônidas, que era o principal atacante da época, marcou três goals em apenas 10 minutos. Foi um show de bola.
_Dos títulos que você ganhou no Flamengo, qual o que considera mais importante?
_Os três, indistintamente. O primeiro foi em 1939 e depois o bicampeonato de 42-43, faltando-me a alegria de ter sido tricampeão, pois em 44 saí do Flamengo e fui fazer parte da equipe do Coríntians, onde fiquei até 1947.
_Qual a melhor equipe rubro-negra da sua época?
_A de 39 era boa, mas fico com as duas de 42 e 43, que eram igualmente boas. Uma delas tinha o melhor ataque que até hoje vi em minha vida. Veja você: Valido, Valdemar de Brito, Leônidas, Gonzalez e Jarbas.
_Como você formaria o Flamengo de todos os tempos?
_Se tivesse que escalar onze dos inúmeros grandes craques que vi defendendo o Flamengo, ficaria numa posição bem difícil. Mas não gosto de fugir das perguntas. O meu Flamengo de todos os tempos seria com Amado ou Jurandir — um ou outro, pois ambos foram ótimos goleiros; Penaforte e Hélcío; Biguá, Bria e Jaime; Valido, Zizinho, Leônidas, Perácio e Moderato.
_Por que você se excluiu dessa equipe; Domingos?
_Garanto que não foi por modéstia. Penaforte e Hélcio formaram uma dupla muito boa de zagueiros. E se é para escalar os melhores do Flamengo de todos os tempos, estou apenas, em consciência, fazendo justiça a dois ótimos zagueiros que vi jogar.
_Das equipes do Flamengo, qual a melhor de que você participou?
_Se você insiste na pergunta, lá vai a resposta: foi a de 43, a última que integrei, com Jurandir, Domingos e Norival; Biguá, Bria e Jaime; Valido, Zizinho, Pirilo, Perâcio e Vevé.
_Qual o técnico mais competente que você teve a orientá-lo?
_Flávio Costa. Foi o técnico mais completo dos muitos bons que passaram pelo futebol brasileiro. Se tivesse tido a felicidade de ganhar o Mundial de 50, Flávio seria um Deus eterno, mas como deu azar naquela decisão com o Uruguai, não faltou por aí quem quisesse mesmo crucificá-lo.
_Teve algum aborrecimento no Flamengo, Domingos?
_Um só. Foi com o presidente Dário de Melo Pinto, o único dirigente que não conseguiu me compreender.
_Como assim?
_Na semana da decisão do campeonato de 41 com o Fluminense, o célebre Fla-Flu da Lagoa, o presidente levou-nos para sua fazenda e lá êle queria que dormíssemos em cama de soldado, sem conforto algum. Tomei a iniciativa de reclamar, êle não gostou e nos desentendemos.
_Por Isso o Flamengo perdeu o título?
_Isso refletiu muito no ânimo dos jogadores, mas não posso dizer que foi só por isso. De fato, o Fluminense tinha uma grande equipe e jogava pelo empate, o que era uma vantagem. O Flamengo jogou bem, mas apesar da muita ajuda do árbitro pudemos conseguir a vitória.
_Afinal, que história é essa de ajuda do árbitro?
_Esse Fla-Flu histórico, o Fla-Flu das bolas na Lagoa, foi apitado pelo Juca da Praia, que passou perto de mim, quando eu também estava no ataque, desesperado, empurrando a equipe para tentar a vitória e disse: Pode fazer até goal com a mão que vai valer.
_E vocês não fizeram, Domingos?
_O Batatais era aquela muralha e suamos muito para fazer dois. O Juca da Praia era um juiz honesto mas não gostava do Fluminense e num desabafo nesse dia êle confessou.
_E alguma vez, apitando, o Juca da Praia prejudicou o Flamengo?_Num jôgo com o Botafogo, que era o clube do coração dele. O Pascoal entrou na nossa cara e fêz um goal com a mão. O Juca da Praia, cinicamente, apontou para o meio do campo. Expulsou o Leônidas e fêz miséria. Quando chegou no Fla-Flu, disse-me êle: Hoje vocês podem ir à forra.
_Qual a derrota que mais o entristeceu jogando pelo Flamengo?
_A única que sofremos no campeonato de 39. Foi para o Bangu, por 4x1. O Flamengo jogou pessimamente naquele dia. Brito agrediu o juiz de linha, Leônidas foi expulso. Uma zebra, como diria Gentil.
_Que lhe parece o Flamengo de hoje?
_Está mal, muito mal. Uma equipe de valores discutíveis e que anda tonta, perdida no meio da guerra. Como amigo pessoal do Yustrich, tenho um conselho a dar-lhe: "Yustrich, meu amigo, trate os seus jogadores como você sempre foi tratado pelo Professor Flávio Costa. Dê-lhes o que você sempre recebeu e então as coisas melhoram para o seu lado".
_Era mais fácil ou mais difícil jogar futebol na sua época?
_Comparando com a época de hoje, só posso dizer uma coisa: na minha época havia mais valores, menos preparo físico e menos dinheiro. O futebol de hoje, pelo tratamento e pelos bons jogadores, é melhor.
_Você foi mesmo o que dizem de você, Domingos?
_Penso que consegui enganar bem durante 20 anos. Não fui de TV nem do Maracanã, mas pude dar sempre meu recado direitinho.
_Rico, Domingos?
_De saúde e de amizades, graças a Deus. Na minha época não se podia fazer fortuna com o futebol.
_Carioca?
_Nascido, criado, vivido em Bangu. Sou de 19 de novembro de 1910.
_Começou lá mesmo?
_Nasci atrás da Igreja de Nossa Senhora da Conceição e comecei a jogar num campinho defronte da mesma Igreja. Do meu tempo foram também Broa, Ladislau, Luís António, Mano e um punhado de outros cobrões.
_Qual foi sua trajetória?
_Comecei em 29 no Bangu e saí em 32. Fui campeão três anos consecutivos em clubes diferentes: 33 pelo Nacional de Montevideu; 34 pelo Vasco e 35 pelo Boca, de onde saí em agosto de 37 para vir para o Flamengo, onde fiquei até 43. De 44 a 47 joguei pelo Coríntians e voltei em 48 para o Bangu, encerrando no ano seguinte em definitivo minha carreira.
_Como foi sua passagem pela seleção brasileira?
_Comecei em 1932, na Copa Rio Branco. Um ano antes havia jogado pela seleção carioca. Mundial só disputei o de 38 e vocês com certeza vão me perguntar sobre o célebre penalty do jogo com a Itália. Então, conto logo: o árbitro foi maldoso, agiu de má fé. A bola não estava em jogo e êle escreveu na súmula exatamente o contrário. Recebi uma falta feia e maldosa do Piola e não me contive, indo ao revide, que foi a única coisa que o árbitro quis ver.
_Domingos, você guardou essa mágoa por muito tempo?
_Tive que esperar até o ano passado para lavar minha alma vendo pela televisão o Brasil dar um banho de bola na Itália. Sinceramente, torcia para ver um dia um novo Brasil x Itália porque sabia que nossa seleção iria à forra, sobretudo numa decisão.
_Quando resolveu se retirar da seleção, Domingos?
_Há dois fatos que considero importantes na vida que tive de jogador de clube e jogador de seleção. Primeiro, como jogador da seleção, pedi para sair depois de um Brasil x Uruguai em que fui homenageado. Flávio Costa concordou e elogiou-me por saber o momento exato da retirada. E como jogador do Bangu, em 49, pedi ao patrono Guilherme da Silveira Filho, meu querido amigo Silveirinha, para sair do clube. O Bangu havia contratado o Rafaneli, um excelente zagueiro argentino, e eu senti que era minha hora de parar.
_Qual é sua atividade hoje, Domingos?
_Sou agente fiscal da Renda Mercantil, Administração Regional de Bangu. Um emprego que me foi conseguido em 1959 pelo meu amigo Silveirinha.
_Considera Pelé o melhor jogador de todas as épocas?
_Da época de hoje, sim. Pelé é o mais completo. Mas cada um tem sua época. Do contrário teríamos que negar Friedenreich e Leônidas, que foram gigantes de outras épocas distintas do nosso futebol. E ponta-direita igual ao Garrincha, jamais alguém pode ter visto igual em qualquer época.
_Sua opinião sobre seu filho, o bom Ademir da Guia...
_Não o considero brilhante, mas acho que é inteligente e herdou a calma que sempre tive. É um jogador cerebral e joga o futebol necessário para se destacar nessa época. Tenho um pressentimento de que êle, quando tiver que parar, voltará ao Bangu, para encerrar a carreira, como eu, no mesmo clube em que a iniciou.