...........Flamengo (Ué,...e tem outro grande?)
Edição Nº-04 de 1971- CR$2,50 - Relíquia
Para Abençoar Nosso Fim de Semana
Quem passar pelo subúrbio de Quintino, deve dar um pulinho à Rua Lucinda Barbosa, para conhecer uma casa diferente. Paredes brancas, enorme bandeira do Flamengo num mastro. No portão, um cachorro chamado MENGO, dois automóveis de côr vermelha e preta e, na varanda, escudos de todos os tamanhos do MAIS QUERIDO. Nesta casa mora a Família Antunes. Gente boa, honesta e acolhedora.
Nesta casa nasceu e mora Zico, o caçula de seis irmãos, que falam e discutem futebol o dia inteiro. Garoto bom de bola, artilheiro nato, esperança de uma galera que vive sonhando em ter um ídolo. Zico tem tudo para chegar lá, pois não mede sacrifícios, desde que seja para fazer mais um goal para o seu Flamengo. Humilde, amigo dos seus pais e dos seus irmãos, fã de Edu e de Antunes, está conseguindo, em bem pouco tempo, subir os primeiros degraus de sua carreira. Visão adiantada sobre técnica de futebol, malicioso e veloz, possui perfeito domínio da pelota e um toque genial. Sempre foi destaque no segundo time do Juventude, de onde saíram Edu, Antunes, Paulo César, Ivan e outros.
.............COMO FOI PARA O FLAMENGO
Um dia, de tanto ouvir falar de suas qualidades, fui vê-lo jogar. Manhã de domingo, Torneio Interno de Infantis no River Tênis Clube. Um garoto lourinho, magro e cabeludo, com apenas 14 anos, me encheu os olhos... Não pelos 9 goals que marcou, mas pelo seu talento. Procurei, então, o velho Antunes e fiz a sugestão:
Posso levar Zico para o Flamengo? Jogaria no clube do seu coração e, quem sabe, poderia diminuir a frustração de uma família que, apesar de rubro-negra, não sabia se ria ou chorava quando Edu e Antunes marcavam goals contra o Mengo. Seu Antunes, conselheiro do Flamengo, homem que desfila no Carnaval, com a bandeira rubro-negra, arregalou os olhos:
A partir de hoje, o Zico está entregue a você. Só não me responsabilizo pelo coração no dia em que ver o pequerrucho no Maracanã vestindo o manto sagrado.
.............................................ZICO
...................................Alegria da Gávea
Por: Celso Garcia
...................................Alegria da Gávea
Por: Celso Garcia
Quem passar pelo subúrbio de Quintino, deve dar um pulinho à Rua Lucinda Barbosa, para conhecer uma casa diferente. Paredes brancas, enorme bandeira do Flamengo num mastro. No portão, um cachorro chamado MENGO, dois automóveis de côr vermelha e preta e, na varanda, escudos de todos os tamanhos do MAIS QUERIDO. Nesta casa mora a Família Antunes. Gente boa, honesta e acolhedora.
Nesta casa nasceu e mora Zico, o caçula de seis irmãos, que falam e discutem futebol o dia inteiro. Garoto bom de bola, artilheiro nato, esperança de uma galera que vive sonhando em ter um ídolo. Zico tem tudo para chegar lá, pois não mede sacrifícios, desde que seja para fazer mais um goal para o seu Flamengo. Humilde, amigo dos seus pais e dos seus irmãos, fã de Edu e de Antunes, está conseguindo, em bem pouco tempo, subir os primeiros degraus de sua carreira. Visão adiantada sobre técnica de futebol, malicioso e veloz, possui perfeito domínio da pelota e um toque genial. Sempre foi destaque no segundo time do Juventude, de onde saíram Edu, Antunes, Paulo César, Ivan e outros.
.............COMO FOI PARA O FLAMENGO
Um dia, de tanto ouvir falar de suas qualidades, fui vê-lo jogar. Manhã de domingo, Torneio Interno de Infantis no River Tênis Clube. Um garoto lourinho, magro e cabeludo, com apenas 14 anos, me encheu os olhos... Não pelos 9 goals que marcou, mas pelo seu talento. Procurei, então, o velho Antunes e fiz a sugestão:
Posso levar Zico para o Flamengo? Jogaria no clube do seu coração e, quem sabe, poderia diminuir a frustração de uma família que, apesar de rubro-negra, não sabia se ria ou chorava quando Edu e Antunes marcavam goals contra o Mengo. Seu Antunes, conselheiro do Flamengo, homem que desfila no Carnaval, com a bandeira rubro-negra, arregalou os olhos:
A partir de hoje, o Zico está entregue a você. Só não me responsabilizo pelo coração no dia em que ver o pequerrucho no Maracanã vestindo o manto sagrado.
........................A CHEGADA A GÁVEA
Devidamente autorizado, acertei com Modesto Bria a ida de um garoto para treinar na equipe infanto-juvenil que êle estava preparando. Chegou finalmente o dia. O treino iria começar às 15 horas. Duas horas antes, passei pela Lucinda Barbosa, para pegar o Zico. Mal parei o carro e saltei, encontrei Edu. O baixinho, rodando o chaveiro, falou calmamente:
_Olhe aqui, não me leve a mal, mas os homens do América telefonaram aqui pra casa e querem que o Zico vá treinar no Andaraí.
No mesmo instante foram chegando todos da família, enquanto Edu continuava falando:
_Você sabe, fica chato pra mim, ele não ir. Peço mil desculpas, mas o Zico não vai com você...
Dona Matilde e seu Antunes ficaram sem falar nada. Meio sem Jeito, perguntei ao Edu se o próprio Zico poderia decidir o seu destino. Edu me encarou e esboçou um sorriso gozador:
_Estou brincando, seu bobo! Leve o Zico para a Gávea com você e que Deus o proteja.
Eram 14h50 hs quando entrei com êle no Estádio do Flamengo. Fomos direto ao vestiário, onde os garotos começavam a trocar de roupa. Logo que me viu, o Bria gritou:
_Cadê o garoto que você disse que ia trazer para treinar?
Sem me perturbar, apontei para o guri que estava ao meu lado. Bria veio caminhando e pertinho, olhou-o de cima a baixo, como que não acreditando no que estava vendo:
_Espere aí, você está de brincadeira. Disse que ia trazer um garoto e trouxe um menino. Nós, aqui, estamos fazendo um trabalho sério de futebol e não fundando um berçário.
Zico ouviu tudo e ficou gelado. Certamente, pensou que no América talvez tivesse melhor recepção. Minha primeira reação foi levá-lo de volta para casa, mas com que cara iríamos contar o sucedido? Afinal, não se recebe ninguém dessa maneira, principalmente uma criança cheia de sonhos e ilusões. Criei coragem e falei:
_Olhe Bria. Vamos fazer um negócio. O Zico não veio aqui para carregar piano e nem pra lutar boxe. Veio para jogar futebol e isto ele tem de sobra. Deixe-o trocar de roupa e, no finalzinho do treino, ele joga um pouco, para suar e tomar banho. Bria concordou. Zico, tímido e chocado, foi para um canto do vestiário e tirou a bermuda. O calção vermelho e desbotado já estava por baixo. Enquanto subia as escadas das arquibancadas para ver o treino, fui pensando:
_Quantos garotos bons de bola já devem ter voltado, sem ao menos, trocar de roupa. Eles medem o futebol pelo tamanho do candidato.
Com 30 minutos de treino, Zico foi chamado. Na primeira bola que recebeu, esperou que o crioulão encostasse e meteu a nega entre suas pernas. Na segunda, botou o ponta-direita na cara do goal. Daí em diante foi um inferno, fêz miséria. Na arquibancada um torcedor gritou que o russinho estava matando eles. Depois do treino, refrigerantes servidos, sanduíches, tapinhas nas costas, pedidos de desculpas, agrados etc, etc, etc. Ainda no vestiário, conversei com Walter Miraglia. Comedido, sério e decisivo, exclamou:
_Olha, o menino é uma parada, mas temos que trabalhá-lo bastante. Precisa engrossar as pernas, criar corpo e amadurecer. É um trabalho longo, de bastante paciência.
No dia seguinte, voltei com Zico à Gávea. Fui entregá-lo a Célio de Souza e José Nogueira, que trabalhavam com a Escolinha. Zico aprendeu muito com eles. Entrou para o quadro e começou a fazer goals. Subindo sempre de produção, e já recebendo o apoio de George Helal e do Departamento Médico do Clube, chegou depois de algum tempo ao quadro de juvenis. Neste período, é de justiça ressaltar o trabalho e a dedicação do Dr. José de Paula Chaves e de José Roberto Francalacci. Nos juvenis, Joubert o recebeu de braços abertos. Bom moço, o Joubert. Sabe lidar com a garotada e conhece futebol. Enérgico, quando se faz necessário, mas amigo fiel e humano. As aulas e as provas escolares dos meninos são sempre respeitadas.
.....................ESTREOU GOLEANDO
A primeira partida oficial de Zico no quadro de juvenis foi na abertura do Campeonato de 1971, contra o Madureira, em Conselheiro Galvão. Meteu dois goals. Zico adora o seu clube. Enaltece sempre seus companheiros, principalmente Fidélis, Jayme, Léo, Dudu e Rondineli. Quando da sua primeira exibição no Maracanã, contra o Botafogo, cheguei a temer por êle. Já estava muito falado, o negócio podia complicar. Metade do segundo tempo, o Flamengo perdia por 1x0. Numa descida, Fidélis foi calçado dentro da área. Pênalti contra o Botafogo! A torcida explodiu. Zico botou a bola debaixo do braço e caminhou com ela para a marca fatal. Na arquibancada, toda a Família Antunes ficou apavorada. Dona Matilde olhou o filho pequenininho dentro da imensidão do Maracanã e achou que não era justo que toda a responsabilidade caísse sobre êle. O estádio
ananhava uma renda de Cr$ 770.250.75, recorde brasileiro de jogos regionais, com um público da 142.892 pagantes. Era a preliminar do grande clássico de profissionais: FLAMENGO x BOTAFOGO. Antunes abraçou Eliana e gritou, rompendo o silêncio da família:
_Sou mais êle...
Edu pegou Suely pelo braço, quis sair, mas não conseguiu. Tunico ficou pálido. Nando conseguiu forças para dizer:
_Se meter no canto esquerdo, garanto que é saco...
Em casa, o velho Antunes desligou o rádio e foi até a geladeira para ver se ainda restava alguma. Era demais para seu coração. Zico partiu para a bola. Jogou o corpo para a direita e tocou lentamente no canto esquerdo. Estava empatada a partida. Ato contínuo, partiu pulando na direção da torcida, onde recebeu os abraços dos companheiros. Não sei se na sua alegria se lembrou de que, 5 dias antes, estava naquela mesma torcida vibrando com um goal de Roberto. Era o seu primeiro goal no Maior Estádio do Mundo. Encontrei Zico na saída do estádio. Na mão direita carregava sua bolsa de material. Fisionomia cansada, mas tentando disfarçar a alegria que saía de dentro d'alma. Um pretinho sem dente, vestindo uma camisa rubro-negra, montado nas costas do pai, apontou para êle e disse orgulhoso:
_Pai, olha aí o Zico!
Zico veio ao meu encontro e falou baixinho, cheio de alegria:
_Viu o meu goal? Viu o meu goal? Foi na mesma baliza e no mesmo canto onde o Rei Pelé, também de pênalti, fez o seu milésimo...
Agora, um aviso: Não fui eu quem descobriu Zico. Êle foi descoberto no dia 3 de março de 1953, quando nasceu. De uma coisa, no entanto, me orgulho: Tê-lo levado para o Flamengo.
Devidamente autorizado, acertei com Modesto Bria a ida de um garoto para treinar na equipe infanto-juvenil que êle estava preparando. Chegou finalmente o dia. O treino iria começar às 15 horas. Duas horas antes, passei pela Lucinda Barbosa, para pegar o Zico. Mal parei o carro e saltei, encontrei Edu. O baixinho, rodando o chaveiro, falou calmamente:
_Olhe aqui, não me leve a mal, mas os homens do América telefonaram aqui pra casa e querem que o Zico vá treinar no Andaraí.
No mesmo instante foram chegando todos da família, enquanto Edu continuava falando:
_Você sabe, fica chato pra mim, ele não ir. Peço mil desculpas, mas o Zico não vai com você...
Dona Matilde e seu Antunes ficaram sem falar nada. Meio sem Jeito, perguntei ao Edu se o próprio Zico poderia decidir o seu destino. Edu me encarou e esboçou um sorriso gozador:
_Estou brincando, seu bobo! Leve o Zico para a Gávea com você e que Deus o proteja.
Eram 14h50 hs quando entrei com êle no Estádio do Flamengo. Fomos direto ao vestiário, onde os garotos começavam a trocar de roupa. Logo que me viu, o Bria gritou:
_Cadê o garoto que você disse que ia trazer para treinar?
Sem me perturbar, apontei para o guri que estava ao meu lado. Bria veio caminhando e pertinho, olhou-o de cima a baixo, como que não acreditando no que estava vendo:
_Espere aí, você está de brincadeira. Disse que ia trazer um garoto e trouxe um menino. Nós, aqui, estamos fazendo um trabalho sério de futebol e não fundando um berçário.
Zico ouviu tudo e ficou gelado. Certamente, pensou que no América talvez tivesse melhor recepção. Minha primeira reação foi levá-lo de volta para casa, mas com que cara iríamos contar o sucedido? Afinal, não se recebe ninguém dessa maneira, principalmente uma criança cheia de sonhos e ilusões. Criei coragem e falei:
_Olhe Bria. Vamos fazer um negócio. O Zico não veio aqui para carregar piano e nem pra lutar boxe. Veio para jogar futebol e isto ele tem de sobra. Deixe-o trocar de roupa e, no finalzinho do treino, ele joga um pouco, para suar e tomar banho. Bria concordou. Zico, tímido e chocado, foi para um canto do vestiário e tirou a bermuda. O calção vermelho e desbotado já estava por baixo. Enquanto subia as escadas das arquibancadas para ver o treino, fui pensando:
_Quantos garotos bons de bola já devem ter voltado, sem ao menos, trocar de roupa. Eles medem o futebol pelo tamanho do candidato.
Com 30 minutos de treino, Zico foi chamado. Na primeira bola que recebeu, esperou que o crioulão encostasse e meteu a nega entre suas pernas. Na segunda, botou o ponta-direita na cara do goal. Daí em diante foi um inferno, fêz miséria. Na arquibancada um torcedor gritou que o russinho estava matando eles. Depois do treino, refrigerantes servidos, sanduíches, tapinhas nas costas, pedidos de desculpas, agrados etc, etc, etc. Ainda no vestiário, conversei com Walter Miraglia. Comedido, sério e decisivo, exclamou:
_Olha, o menino é uma parada, mas temos que trabalhá-lo bastante. Precisa engrossar as pernas, criar corpo e amadurecer. É um trabalho longo, de bastante paciência.
No dia seguinte, voltei com Zico à Gávea. Fui entregá-lo a Célio de Souza e José Nogueira, que trabalhavam com a Escolinha. Zico aprendeu muito com eles. Entrou para o quadro e começou a fazer goals. Subindo sempre de produção, e já recebendo o apoio de George Helal e do Departamento Médico do Clube, chegou depois de algum tempo ao quadro de juvenis. Neste período, é de justiça ressaltar o trabalho e a dedicação do Dr. José de Paula Chaves e de José Roberto Francalacci. Nos juvenis, Joubert o recebeu de braços abertos. Bom moço, o Joubert. Sabe lidar com a garotada e conhece futebol. Enérgico, quando se faz necessário, mas amigo fiel e humano. As aulas e as provas escolares dos meninos são sempre respeitadas.
.....................ESTREOU GOLEANDO
A primeira partida oficial de Zico no quadro de juvenis foi na abertura do Campeonato de 1971, contra o Madureira, em Conselheiro Galvão. Meteu dois goals. Zico adora o seu clube. Enaltece sempre seus companheiros, principalmente Fidélis, Jayme, Léo, Dudu e Rondineli. Quando da sua primeira exibição no Maracanã, contra o Botafogo, cheguei a temer por êle. Já estava muito falado, o negócio podia complicar. Metade do segundo tempo, o Flamengo perdia por 1x0. Numa descida, Fidélis foi calçado dentro da área. Pênalti contra o Botafogo! A torcida explodiu. Zico botou a bola debaixo do braço e caminhou com ela para a marca fatal. Na arquibancada, toda a Família Antunes ficou apavorada. Dona Matilde olhou o filho pequenininho dentro da imensidão do Maracanã e achou que não era justo que toda a responsabilidade caísse sobre êle. O estádio
ananhava uma renda de Cr$ 770.250.75, recorde brasileiro de jogos regionais, com um público da 142.892 pagantes. Era a preliminar do grande clássico de profissionais: FLAMENGO x BOTAFOGO. Antunes abraçou Eliana e gritou, rompendo o silêncio da família:
_Sou mais êle...
Edu pegou Suely pelo braço, quis sair, mas não conseguiu. Tunico ficou pálido. Nando conseguiu forças para dizer:
_Se meter no canto esquerdo, garanto que é saco...
Em casa, o velho Antunes desligou o rádio e foi até a geladeira para ver se ainda restava alguma. Era demais para seu coração. Zico partiu para a bola. Jogou o corpo para a direita e tocou lentamente no canto esquerdo. Estava empatada a partida. Ato contínuo, partiu pulando na direção da torcida, onde recebeu os abraços dos companheiros. Não sei se na sua alegria se lembrou de que, 5 dias antes, estava naquela mesma torcida vibrando com um goal de Roberto. Era o seu primeiro goal no Maior Estádio do Mundo. Encontrei Zico na saída do estádio. Na mão direita carregava sua bolsa de material. Fisionomia cansada, mas tentando disfarçar a alegria que saía de dentro d'alma. Um pretinho sem dente, vestindo uma camisa rubro-negra, montado nas costas do pai, apontou para êle e disse orgulhoso:
_Pai, olha aí o Zico!
Zico veio ao meu encontro e falou baixinho, cheio de alegria:
_Viu o meu goal? Viu o meu goal? Foi na mesma baliza e no mesmo canto onde o Rei Pelé, também de pênalti, fez o seu milésimo...
Agora, um aviso: Não fui eu quem descobriu Zico. Êle foi descoberto no dia 3 de março de 1953, quando nasceu. De uma coisa, no entanto, me orgulho: Tê-lo levado para o Flamengo.
