Galera, a chapa na eleição do Flamengo tá cada vez mais quente. Daqui para o fim do mês as chapas terão que ser inscritas oficialmente. Isto significa que cada candidatura deverá reunir 250 sócios adimplentes para formarem o Conselho de Administração e o Conselho Deliberativo. Como menos de 5000 sócios estão aptos a votar nas eleições de 7 de dezembro os que estão com as mensalidades em dia estão sendo caçados à laço na Gávea. Porque não há sócios suficientes para se montar 7 ou 8 chapas. É uma boa hora pra eu dar mais uma malhada naquele velho assunto sobre a importância de se associar e da redefinição dos papéis Institucionais no Flamengo. Segura aí o meu lenga-lenga.
Qualquer proposta de mudança do modelo de gestão do Clube de Regatas do Flamengo enfrenta empedernida resistência de expressiva parcela do quadro social. As motivações que sustentam essa impermeabilidade do sócio do Flamengo médio a métodos administrativos de comprovada eficácia e de evidente superioridade diante do ineficiente modus operandi dos dirigentes amadores têm raízes profundas que remontam à própria gênese flamenga.
Lá no distante 1895, quando os 6 bravos remadores quebraram seus porquinhos e perceberam que os tostões reunidos seriam insuficientes para completar os 400 mil réis necessários para adquirirem a seminal baleeira Pheruza, passaram listas pelo comércio do bairro do Flamengo para arrecadar o que faltava. E desde então o Flamengo contou com o esforço, o talento, a dedicação e da inserção na sociedade dos seus sócios para crescer e se tornar a Nação.
Quando em 1933 o profissionalismo foi implantado no futebol carioca o Flamengo resistiu no amadorismo. E no amadorismo persistiu até 1936. E, vejam que ironia, foi justamente sob a égide do profissionalismo que despontou o Flamengo potência esportiva e afetiva do Brasil. O patrimônio do Mais Querido, que ultrapassou os limites do bairro, da cidade e do país é fruto do trabalho abnegado e bem intencionado de amadores.
O Flamengo recordista de endividamento também é. Nos últimos 20 anos não foi só o Flamengo que cresceu, o esporte como um todo e o futebol em especial cresceram demais. Cresceram tanto que foram absorvidos pelo setor dos entretenimentos e hoje são o conteúdo mais valioso no cardápio das TVs. A mudança foi gradual, mas ainda é muito recente. Em menos de 20 anos a gigantesca experiência adquirida ao longo de 3 séculos na esfera desportiva pelos nossos dirigentes amadores passou a valer tanto como um curso de datilografia num ambiente Linux.
Na nova arena em que se decidem os destinos do futebol e de seus clubes, anabolizada por cifras equivalentes ao faturamento de grandes empresas, o dirigente amador que sacrifica sua vida familiar e dá uma passada no clube após as 6 da tarde não está adequadamente preparado para negociar com executivos treinados e orientados para arrancar lucros até das pedras.
Nesse ambiente do pleno profissionalismo é fundamental que o sócio do Flamengo tenha em mente que o seu papel se redefiniu. Uma mudança de status motivada pelo desenvolvimento do negócio futebol e por outras forças que não se pode deter ou mensurar, como a marcha inexorável do tempo e a mão invisível do caboclo Adan Smith.
Se a crescente complexidade na gestão do clube e do esporte afasta cada vez mais o sócio da esfera das decisões administrativas do Flamengo o seu papel não se esgota no pagamento das mensalidades e taxas de manutenção. Nosso estatuto de 1992 dedica o seu quinto capítulo aos deveres do associado do Flamengo, No Artigo 24 as alíneas I e V não deixam espaço para qualquer duvida. Reproduzo-as:
Art. 24 - Ao sócio, além de outros deveres previstos neste Estatuto, impõem-se:
I - contribuir para a grandeza patrimonial e esportiva do FLAMENGO;
V - zelar pela integridade do patrimônio do FLAMENGO;
Ora, hoje qual é o maior patrimônio do Flamengo? Suas sedes na Gávea, no Morro da Viúva ou Ninho do Urubu, seus barcos ou os direitos econômicos de seus atletas? Não. Hoje a parte mais valiosa do Flamengo é imaterial e intangível. São as nossas marcas, nosso Manto Sagrado, nossos ritos e tradições. Esse é o tesouro rubro-negro, esse é o patrimônio pelo qual os sócios devem zelar e contribuir para a grandeza.
Por mais absurdo que possa parecer, o sócio do Flamengo não é mais o seu dono. Aliás, os conceitos de propriedade e posse são de difícil aplicabilidade quando o falamos em Flamengo e há mesmo quem duvide de que os sócios tenham sidos donos algum dia. Ao se seguir estritamente a lógica materialista hoje o sócio do Flamengo é dono de uma fração ideal do seu passivo. O que significa dizer que o rubro-negro que se associa hoje ao Flamengo compra por 6000 reais uma cota de dívida de mais ou menos 65.000. Não é preciso confiar nessas minhas contas, afinal ninguém sabe exatamente de quanto é a nossa dívida. Mas se associar ao Flamengo pensando em ser um de seus donos é certamente um dos piores negócios do planeta.
A mudança do papel institucional do associado só se completará quando houver a plena compreensão de que o Flamengo é uma propriedade compartilhada entre associados e torcedores. Estes geram as receitas que mantém a grandeza e constante expansão do Flamengo e aqueles são os guardiões do patrimônio e zeladores do seu bom uso. Quando o quadro social e a torcida caminharem na mesma direção o Flamengo não conhecerá mais limites.